A explicação se deu na crônica chamada "Diante dos mortos, publicada no jornal Correio da Manhã, de 2 e 3 de novembro de 1963:
" vestes brancas substituindo as antigas vestes negras: assim os padres se apresentam aos fiéis, nas cerimônias litúrgicas e Finados, em obediência à orientação do Concílio vaticano II. O dia dos mortos não é dia de luto. Nele deve reconfortar-se a esperança de convívio futuro e definitivo com a essência dos seres que amamos e perdemos. A morte ganha sentido diverso daquele que nos fora inculcado pela educação religiosa em aliança com o terror instintivo. transforma-se em porta aberta ao conhecimento de um estado de graça, qua a vida não nos permitiu fruir.
Mesmo, porém, sem recorrer ao pensamento católico, é possível considerar Finados não um dia triste, mas antes de libertação da tristeza. No plano das afeições humanas, idealizo uma festa dos mortos, que, a poder de serenidade e meditação, quase se poderia chamar alegre. Dia em que tornaríamos mais consciente nosso convívio com eles, avaliando e vivendo ao mesmo tempo uma amizade, um amor que se limpou para sepre de dúvidas, equívocos e incompreensões, da nossa parte e da parte deles.Mas isso é programa para o resto da vida, não apenas para 24 horas.
Como chegar a esse ponto de entendimento perfeito, de que a vida aparentemente nos desvia, e que nossa volubilidade sentimental torna ainda mais remoto? Não creio que a comemoração fúnebre nos aproxime dele, por ser quase mecânica e padronizada. Mas confio nesse estranho trabalho de demolição interna, que se vai fazendo em nós. Vamos perdendo as coisas, e sentimos que leas eram secundárias; com isto, descobrimos outras subjacentes e mais importantes. Em camada mais profunda está colóquiop plácido com os mortos. E a descoberta: os mortos não são fúnebres.
Até alcançarem esta percepção, os mais sensíveis (tanto requintados como simples) carregam uma saudade pungente que é, afinal, preliminar do entendimento completo. Saudade ás vezes impregnada de revolta, protesto de amor ferido, ou mesmo de sentimento de beleza, que pretende parar sobre as contingências, e busca a eternidade no instante. Encontro a marca desse sentimento, palpitante de inconformismo, no poema "Dirge without Music", de Edna St. Vincent Millay...".
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