sábado, 28 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 28 de fevereiro de 2015 -- SUSSURRO

SUSSURRO

Essa tristeza
Que meus olhos
Não escondem
Vai para onde...?
Ontem
Me enganou
Que ia embora de mim



Livro RASCUNHOS POÉTICOS

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 26 de fevereiro de 2015 -- Ímpares e pares

Ímpares e pares

Preciso do ruim do real para sonhar
As dificuldades adubam rimas
Transformam pó em escultura
A cultura deveria unir não afastar
Percebo muita vaidade de artistas não querendo se comunicar
Parece que fazem só pensando nos pares que irão aplaudi-los com vontade de explodi-los
Como sinto é diferente disso
Ímpares devem somar-se para só então resultar em

Algo que possa ser dividido  

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 25 de fevereiro de 2015 -- carnaval

carnaval

Vendo o quadro carnaval que pintei...

uma sombra branca
sentada na varanda
um senhor tentando se escorar...
olhos quadrados por todos os lados...
a chuva branca
não tão branca

olha da janela o carnaval

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 24 de fevereiro de 2015 -- COMPRIMIDO

COMPRIMIDO

Somente
O comprimido
oprime
o estômago do oprimido?
Se rimo
Comprimo
a dúvida?
Ou
Somente
suprimo a pergunta?



Livro RASCUNHOS POÉTICOS

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 23 de fevereiro de 2015 -- cenhos

cenhos

Não é que eu saiba
É que quero saber
Afirmo, em maiúsculas: QUERO SABER!
De tudo como se fosse uma luz no mundo
Uma vontade de fome
Uma dor de músculo
Andando olhando entendendo
Ou pelo menos tentando
A arte é apenas manifestação da alegria de viver
Que deixamos tirarem da gente
Quem?

Todos tudo: os servos os cegos os surdos

domingo, 22 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 22 de fevereiro de 2015 -- Valsa

Valsa

Vendo o quadro “Valsa sobre as gerações futuras n.1” de Marcos Coimbra

sopra o vento
azul
o sorriso
amarelo
sincero
singra
o cinza de mares nunca dantes navegados
irisados
olhos
sopram rosa
e a juventude formosa
acredita
sem pecados
sem pestanejar

em futuro poético de valsa

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Olhar sobre a finitude -- fragmentos de matéria d'O Globo de 22/02/2015 de lauro Neto

Especialistas falam da importância de pacientes assuimirem que são doentes terminais

O texto publicado anteontem pelo neurocientista e escritor Oliver Sacks, em que revelou estar com um câncer terminal. chamou a atenção para um paradoxo vital e mortal: a obviedade de que a morte é inevitável frente à dificuldade de aceitação de sua proximidade. Em seu artigo no "New York Times", Sacks jogou luz sobre o fim do túnel, dizendo como pretendia aproveitar seus últimos meses de uma vidade 81 anos, após a constatação de que estava com um terço do fígado tomado por metástases. Médicos e especialistas ouvidos pelo GLOBO avaliaram a importância de figuras públicas assumirem que são doentes terminais como forma de desmistificar o desejo pela imortalidade.

Citando os livros de Sacks "Tempo de despertar" e "O homem que confundiu sua mulher com um chapéu", o clínico geral e intensivista Fábio Miranda diferencia a perspectiva brasileira da internacional em relação à aceitação da morte. Coordenador do CTI do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, Miranda diz que, enquanto nos EUA os médicos são obrigados a contar a verdade ao paciente, no Brasil, muitas vezes a família prefere escondê-la:
-- O que lemos em artigos científicos e vemos em congressos internacionais é que essa aceitação é mais comum no exterior. Aqui, é muito difícil. O artigo de Sacks é importante porque, geralmente, as pessoas preferem a negação da morte. Algumas reagem a isso tentando encontrar um bode expiatório, um culpado. Isso causa revolta e implica brigas familiares, com os médicos ou pessoas que tentam ajudar. (...)


(...)


Diretor do CTI do Hospital São Vicente de Paulo, o médico Guilherme Ribeiro Aguiar ressalta que o assunto no Brasil ainda é um tabu e que, frequentemente, a família tenta esconder a proximidade da morte do paciente, às vezes até prolongando o sofrimento em casos de câncer terminal.
-- Essa discussão é muito importante, mas ianda está atrasada no Brasil. O alerta do doutor Sacks é muito bem-vindo. Frequentemente, são mantidos tratamentos que poderiam ser classificados como "fúteis", já sem objetivo de cura, quando seria mais indicado um tratamento paliativo para melhorar a qualidade de vida no final dela -- diz Aguiar.
Steve Jobs, fundador da Apple,lamentou certa vez ter optado por vários tratamentos alternativos para tentar se curar de um câncer no pâncreas, detectado em 2004,. No ano seguinte, após fazer uma cirurgia, ele disse que "a morte era provavelmente a melhor invenção da vida", em um discurso na Universidade de Stanford: "Seu tempo é limitado, então, não gaste vivendo a vida de outra pessoa" (grifei).

365 dias com poesia, 21 de fevereiro de 2015 -- NA MENTE

NA MENTE

imediatamente pico
insistentemente fico
angustiadamente resisto
alucinadamente antecipo
acaloradamente modifico
satisfatoriamente minto
momentaneamente melindro
simplesmente espirro
vagarosamente erudito
finalmente escrito
deliberadamente fino
politicamente sorrio



Livro RASCUNHOS POÉTICOS

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 20 de fevereiro de 2015 -- Amarelo-ovo

Amarelo-ovo

Quando pinto imperfeito
Pinto imperfeito
Porque o imperfeito é aquilo que vivemos
Não conheço branco puro
Azul anil
Amarelo-ouro
Se vejo e vivo imperfeito
O quadro será pintado imperfeito
Mas com conceito pois é como se fosse brincadeira de criança
Mas não é brincadeira de criança
É arte de adulto consciente do seu papel de sempre lembrar
De que o que nos move é

A ilusão chamada esperança

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 19 de fevereiro de 2015 -- A rima e o verso

A rima e o verso

O olhar cansado não é da idade
É do amor do silêncio
Suspiro sendo declaração de paciência
Sombras sempre precisam do sol
Luz da energia do amanhã
Que acreditamos e por isso de vez em quando sorrimos
De tudo do nada
Do silêncio do amor
Que nos define em cada sílaba não dita
Lembrança da praia escondida
De nós mesmos
Tanta areia
Tanto sereno
Segredos
Quem somos?

Quando seremos universo?

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 18 de fevereiro de 2015 -- hora

Ora vidro
Ora espelho
Ora vejo
Ora me vejo
No vidro comento
No espelho segredos
E continuo seguindo
o barulho do mundo
em ouvidos cansados
de tanto escutar
memórias

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 17 de fevereiro de 2015 -- maravilha

maravilha

olhos sinceros se fantasiam de carnaval
e esperam o verde mesmo pintado de esperança
têm sede de ritmo e cores
choram o sabor de saber-se vivo nessa
única vez

que verão o simples e o maravilhoso da vida

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Bertolt Brecht, poema: E EU SEMPRE PENSEI



E eu sempre pensei: as mais simples palavras
Devem bastar. Quando eu disser como é
O coração de cada um ficará dilacerado.
Que sucumbirás se não te defenderes
Isso logo verás.

Bertolt Brecht, poema: PINHEIROS



Na alvorada
Os pinheiros são de cobre.
Assim os vi
Há meio século
Há duas guerras mundiais

Com olhos jovens.

Bertolt Brecht, poema: DAS ELEGIAS DE BUCKOW



Viesse um vento
Eu poderia alçar vela.
Faltasse vela
Faria uma de pano e pau.


A TROCA DA RODA

Estou sentado à beira do caminho.
O condutor troca a roda.
Não gosto de estar lá de onde venho.
Não gosto de estar lá para onde vou.
Por que olho a troca da roda
Com impaciência?

Bertolt Brecht, poema: A VOZ DA TEMPESTADE DE OUTUBRO




A voz da tempestade de outubro
Em torno da pequena casa nos juncos
Soa para mim como se fosse minha voz.
Confortável
Deitado na cama escuto
Sobre o lago e a cidade
Minha voz.

Bertolt Brecht, poema: OS AMIGOS



A mim, o teatrólogo
A guerra separou de meu amigo, o cenógrafo
As cidades em que trabalhamos já não existem.
Andando pelas cidades que ainda existem
Digo por vezes: aquela peça azul de roupa
Meu amigo a teria colocado em lugar melhor.

Bertolt Brecht, poema: NA MANHÃ DO NOVO DIA



Na manhã do novo dia, ainda na aurora
Os abutres se levantarão em negras nuvens
Em costas distantes
Em voo silente
Em nome da ordem.

Bertolt Brecht, poema: REGAR O JARDIM



Regar o jardim, para animar o verde?
Dar água às plantas sedentas! Dê mais que o bastante.
E não esqueça os arbustos, também
Os sem frutos, os exaustos
E avaros! E não negligencie
As ervas entre as flores, que também
Têm sede. Nem molhe apenas
A relva fresca ou somente a ressecada:
Refresque também o solo nu.

Bertolt Brecht, poema: O APARELHO DE PESCA




Em meu quarto, na parede caiada
Há uma curta vara de bambu, ligada
A um gancho de ferro, para
Retirar redes da água. A vara
Apareceu numa loja de coisas velhas, “downtown”. Ganhei-a
De meu filho no aniversário. Está gasta.
Na água salgada a ferrugem do gancho corroeu o cordão.
Esses indícios de uso e de trabalho
Emprestam-lhe grande dignidade. Gosto
De pensar que esse aparelho de pesca
Foi-me deixado por aqueles pescadores japoneses
Que foram banidos da Costa Oeste, confinados em campos
Como estrangeiros suspeitos: que me chegou às mãos
Para lembrar-me tantas
Questões humanas não solucionadas
Não insolúveis, porém.

Bertolt Brecht, poema: AS NOVAS ERAS



As novas eras não começam de uma vez
Meu avô já vivia no novo tempo
Meu neto viverá talvez ainda no velho.

A nova carne é comida com os velhos garfos.

Os carros automotores não havia
Nem os tanques
Os aeroplanos sobre nossos tetos não havia
Nem os bombardeios.

Das novas antenas vêm as velhas tolices.

A sabedoria é transmitida de boca em boca.

Bertolt Brecht, poema: GERAÇÕES MARCADAS




Bem antes de sobre nós aparecerem os bombardeios
Eram já inabitáveis
Nossas cidades. Canalização nenhuma
Nos livrava da imundície.

Bem antes de cairmos em batalhas sem sentido
Ainda andando por cidades ainda intactas
Nossas mulheres
Eram já viúvas
E nossos filhos órfãos.

Bem antes de nos lançarem em covas aqueles também marcados
Éramos sem alegria. Aquilo que a cal
Nos corroeu

Já não eram rostos.

Bertolt Brecht, poema: A PAISAGEM DO EXÍLIO



Mas também eu, no último barco
Vi ainda a alegria da aurora no cordame
E os corpos cinza claro dos golfinhos, emergindo
Do Mar do Japão
E os pequenos carros a cavalo com decoração em ouro
E os véus cor-de-rosa sobre os braços das matronas
Nas ruelas da condenada Manila
Viu também o fugitivo com prazer.
As torres de petróleo e os jardins sedentos de Los Angeles
Também não deixaram indiferente

O mensageiro do infortúnio.

Bertolt Brecht, poema: SOBRE O SUICÍDIO DO REFUGIADO W.B.



Soube que você levantou a mão contra si mesmo
Antecipando assim o algoz.
Oito anos banido, vendo a ascensão do inimigo
Por fim acuado numa fronteira intransponível
Você transpôs a que pareceu transponível.

Reinos desmoronam. Chefes de bando
Andam como estadistas. Já não enxergamos
Os povos sob os armamentos.

O futuro está em trevas, e as forças boas
São fracas. Tudo isso você viu

Ao destruir o corpo sofrido.

Bertolt Brecht, poema: O TUFÃO



Fugindo do pintor (Hitler), rumo aos Estados Unidos
Notamos de repente que nosso pequeno navio não se movia.
Toda uma noite e um dia inteiro
Permaneceu na altura de Luzon, no Mar da China.
Alguns diziam ser devido a um tufão que rugia no norte
Outros temiam barcos piratas alemães

Preferiam o tufão aos alemães.

Bertolt Brecht, poema: POEMAS DA COLEÇÃO DE MARGARETE STEFFIN




Isso é tudo e não muito, bem sei.
É só para lhes dizer que ainda vivo.
Como alguém que um tijolo levasse consigo.
Para mostrar como foi sua casa uma vez.


PRIMAVERA DE 1938

1

Hoje, domingo de Páscoa
Uma tempestade de neve atingiu a ilha.
Entre as sebes verdejantes havia neve. Meu filho pequeno
Levou-me a um pé de damasco junto ao muro
Afastando-me de um poema em que apontava com o dedo aqueles
Que preparam uma guerra que
Aniquilaria este continente, esta ilha, meu povo, minha família
E eu. Em silêncio
Colocamos um saco
Sobre a árvore com frio.

2

Sobre a baía pendem nuvens de chuva, mas o sol
Ainda doura o jardim. As pereiras
Têm folhas verdes e ainda nenhum broto, e as cerejeiras
Brotos e ainda nenhuma folha. As umbelas brancas
Parecem rebentar de galhos secos.
Pelas águas encrespadas da baía
Corre um pequeno barco de vela remendada.
Ao gorjeio dos estorninhos
Mistura-se o trovão distante
Dos canhões dos navios
Do terceiro Reich.

3

Nos salgueiros à margem da baía
A coruja chama com freqüência, nessas noites de primavera.
Conforme a superstição dos camponeses
A coruja informa aos homens
Que não viverão muito. A mim
Que tenho consciência de haver dito a verdade
Sobre os dominadores, nenhum pássaro da morte

Precisa informar sobre isto.

Bertolt Brecht, poema: ACABOU A PEÇA



Acabou a peça. Cometeu-se o espetáculo. Lentamente
Esvazia-se o teatro, um intestino relaxado. Nos camarins
Os ágeis vendedores de mímica improvisada e retórica rançosa
Lavam suor e maquiagem. Finalmente
Apagam-se as luzes que puseram à vista o triste trabalho, e
Deixam na penumbra o belo vazio do palco maltratado.
Na platéia sem espectadores, ainda com leves aromas
Senta-se o pobre autor de peças, e insaciado procura

Lembrar-se.

Bertolt Brecht, poema: MEU ESPECTADOR



Recentemente encontrei meu espectador.
Na rua poeirenta
Ele segurava nas mãos uma máquina britadeira.
Por um segundo

Levantou o olhar. Então abri rapidamente meu teatro
Entre as casas. Ele
Olhou expectante.
Na cantina
Encontrei-o de novo. De pé no balcão.
Coberto de suor, bebia. Na mão
Uma fatia de pão. Abri rapidamente meu teatro. Ele
Olhou maravilhado.
Hoje
Tive novamente a sorte. Diante da estação
Eu o vi, empurrado por coronhas de fuzis
Sob o som de tambores, para a guerra.
No meio da multidão
Abri meu teatro. Sobre os ombros
Ele olhou:

Acenou com a cabeça.

Blaise Cendrars

Blaise Cendrars (1887 -- 1961): Frédéric Sauser, dit Blaise Cendrars, naît en Suisse et ne tiendra jamais en place. Il a déjà parcouru le monde lorsqu'il se fixe pour un temps dans le mythique Montmartre des anées 1910 où il côtoie Apollinaire, Max Jacob, Modigliani... Après la Grande Guerre au cours de laquelle il perd un bras, il migre des territoires poétiques vers ceux du roman et du cinéma. L'oeuvre de ce poète bourlingueur est marquée par les thémes du départ et de l'ailleurs, assortis d'une grande modernité formelle.


Tu es plus belle que le ciel et la mer

Quand tu aimes il faut partir
Quitte ta femme quitte ton enfant
Quitte ton ami quitte ton amie
Quitte ton amante quitte ton amant
Quand tu aimes il faut partir

Le monde est plein de nègres et de nègresses
Des femmes des hommes des hommes des femmes
Regarde les beaux magasins
Ce fiacre cet homme cette femme ce fiacre
Et toutes les belles marchandises

Il y a l'air il y a le vent
Les montagnes l'eau le ciel la terre
Les enfants les animaux
Les plantes et le charbon de terre

Apprends à vendre à acheter à revendre
Donne prends donne prends
Quand tu aimes il faut savoir
Chanter courir manger boire
Siffer
Et apprendre à travailler

Quand tu aimes il faut partir
Ne larmoie pas en souriant
Ne te niche pas entre deux seins
Respire marche pars va-t'en

Je prends mon bain et je regarde
Je vois la bouche que je connais La
La main la jambe Le l'oeil
Je prends mon bain et je regarde

Le monde entier est toujours là
La vie pleine de choses surprenantes
Je sors de la pharmacie
Je descends juste de la bascule
Je pêse mes 80 kilos
Je t'aime

Feuilles de route, 1924.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Tomie Ohtake -- Bonito, né?!, matéria de Leonel Kaz n'O Globo de 13 de fevereiro de 20015

   Pode parecer estranho, mas o título acima é para ter ponto de exclamação e de interrogação ao mesmo tempo. Foi com essa frase que Tomie Ohtake, me deu uma grande lição: a de que críticos, curadores e intérpretes podem ter seu mérito, mas o que está em jogo é sempre o mérito da obra em si mesma.
   Durante muito tempo frequentei a casa dela, para nada especificamente, apenas para jogar conversa fora -- esse hábito maravilhoso que a gente está perdendo. E lembro que passeávamos pela sua casa, e ela me mostrava cada obra nova que estava fazendo. Aí eu inventava de perorar, interpretar, fazer conjecturas sobre o trabalho, a pincelada, a cor, independentemente do que eu falasse, ao final ela sempre dizia: "Bonito, né?!".
   A frase, repetida como um mantra, era, de fato, uma exclamação para ela mesma, uma interrogação para o outro. Independentemente da crítica que se interpusesse, o que ela estava tentando fazer sempre era provocar um ato de beleza. Acrescentar, ao mundo, em sua banalidade, algo que comovesse o outro, o próprio muindo, a existência. Os postulados acadêmicos, as mil interpretações, as presunções sobre a origem nipônica, as inúmeras tentativas de se compreender sua obra com meras palavras, nada disso importava, mas, sim, o quão comovidos ou tocados poderíamos nos fazer aflorar diante de sua obra, aquela conclusão bruta, que era ela: "Bonito, né?!".
   Conheci Tomie pelos olhos do crítico de Veja Casimiro Xavier de Mendonça. Ele me levou a um almoço em casa dela. A casa abrigava outra virtude tocante que se plasma em sua obra: a honestidade. Tomie é aquilo que se vê na tela pintada: a síntese, o suficiente, o mínimo para desfrutar da vida em seu esplendor. Tudo aquilo que ela plasmava por palavras enxutas, por superposições de panos sobre o corpo esguio, por garfos e colheres afilados e também esguios, esteve sempre ali ao lado, em sua casa-atelier, cobrindo de cor as superfícies das pinturas. Tomie era um ser íntegro -- do qual nosso tempo anda tão falto e sequioso -- que interpretava, na obra, a própria vida. Do mesmo modo, roupas, talheres e pinturas, sua paleta de cores, tudo respeitava seu código, seguia sua própria linguagem. Por isso, sua pintura era absolutamente honesta: não era uma metáfora da vida, mas a sua própria vida.
   À época de Darcy Ribeiro como secretário de Cultura, estive envolvido no episódio da "Estrela-do-mar", escultura multicolorida que Tomie preparou para o Rio de Janeiro. Darcy, com sua fúria imperial, decidiu que"queria porque queria" que a estrela ocupasse o espeho d'água da Lagoa, que é tombado. Considero a Lagoa um patrimônio intocável, mas que seria eu para ir contra Darcy? A obra foi inaugurada no dia mais diluviano do Rio. No governo seguinte, a obra foi retirada para reparos e...sumiu. Fica a sugestão para que a obra, que tem evidente valor, seja retomada em qualquer outra ambiência da cidade -- que não aquele espelho d'água...
   Outro dia fui a uma exposição que trazia o mar de defronte para dentro da sala. Não era Tomie, mas outra artista. Fiquei envolvido em brumas, céu azul, mergulho. Depois, li uma interpretação crítica segundo certos cânones acadêmicos, e aquela sensação de vento, maresia, cheiro de mar que estava aderida à minha memória quase se dissolveu. Preferia que, em vez de tantas linhas, pudesse ter sido só escrito: "Bonito, né?!", lançando a cada leitor a sugestão de que ele se indague do seu porquê de estar neste mundo (grifei). Tomie esteve neste mundo para dar a ele o sentido que se deve dar à vida. O sentido da beleza.

365 dias com poesia, 14 de fevereiro de 2015 -- olhos de purpurina

nesse silêncio carnavalesco
penso
e se a ilusão for necessária?
e se precisássemos da imaginação
como poeira nos olhos
que nos fizesse lacrimejar
espirrando toda a realidade que está a nos cansar
de nós mesmos?
e se só fossemos inteiros na alegria,
tristeza com olhos de purpurina?

365 dias com poesia, 15 de fevereiro de 2015 -- fantasia

o som da alegria invade
catarata de braços e pernas
a praia é uma miragem
ainda há a possibilidade dum abraço?
falso riso falsa tinta
alguma fantasia
nos fará ver a realidade?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 12 de fevereiro de 2015 -- olhos de outrora

olhos de outrora
A Marc Chagall
Chagall sonha
sonha com um buquê de flores que sustente o amor
sonha a dor rosa a cor fora do quadrado do quadro

Chagall foi é será 
Um poeta que sabia a importância de navegar por seus 
densos tensos 
olhos de outrora

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

365 dias com poesia, 16 de fevereiro de 2015 -- GROGUE

GROGUE

Ele chegou do bloco
Sujo
Amarrotado
Grogue
Chegou com cara
de quem descobriu
Onde as pessoas
colocam as máscaras
ao sair de casa



Livro RASCUNHOS POÉTICOS

365 dias com poesia, 13 de fevereiro de 2015 -- HERANÇA

HERANÇA

A chuva
descobre a semente
imaginando
a árvore que vai nascer
Continua chorando
na esperança
(herança)
De ver uma floresta
Florescer
Ali bem debaixo das suas águas
Fartas de não saber



Livro RASCUNHOS POÉTICOS

365 dias com poesia, 11 de fevereiro de 2015 -- Sexo sul

Olhos sonhos
Bocas sopros
Pescoços rijos para os ventos que virão
Corpos sedentos e cansados

Pernas bambus
Pés azuis


Sexo sul

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Bertolt Brecht, poema: A ATUAÇÃO DE H. W.



Se bem que ela mostrasse
Tudo necessário para se compreender
Uma mulher de pescador, não se transformou inteiramente
Nesta mulher de pescador, mas sim
Como se a ocupasse também a reflexão
Como se perguntasse continuamente: como foi mesmo?
Ainda que nem sempre se pudesse
Descobrir os seus pensamentos
Sobre a mulher do pescador, ela mostrava
Que os tinha, e convidava

A pensá-los.

Bertolt Brecht, poema: O TEATRO, CASA DOS SONHOS



Muitos vêem o teatro como casa
De produção de sonhos. Vocês atores são vistos
Como vendedores de drogas. Em seus locais escurecidos
As pessoas se transformam em reis e realizam
Atos heroicos sem perigo. Tomado de entusiasmo
Consigo mesmo ou de compaixão por si mesmo
Fica-se sentado, em feliz distração esquecendo
As dificuldades do dia a dia – um fugitivo.
Todo tipo de fábula preparam com mãos hábeis, de modo a
Mexer com nossas emoções. Para isso utilizam
Acontecimentos do mundo real. Sem dúvida, alguém
Que aí chegasse de repente, o barulho do tráfico ainda nos ouvidos
E ainda sóbrio, mal reconheceria aobre essas tábuas
O mundo que acabou de deixar. E também
Saindo por fim desses locais,
Novamente o homem pequeno, não mais o rei
Deslocado na vida real. Muitos, é verdade
Vêem essa atividade como inocente. Na mesquinhez
E uniformidade de nossas vidas, dizem, sonhos
São bem-vindos. Como suportar
A vida mesquinha e uniforme, e a renunciar
Por si mesmo. Mas vocês
Mostram um falso mundo, descuidadamente juntado
Tal como os sonhos o mostram, transformado por desejos
Ou desfigurado por medos, tristes
Enganadores.



Bertolt Brecht, poema: REPRESENTAÇÃO DE PASSADO E PRESENTE EM UM




Aquilo que vocês representam, procurem representá-lo
Como se acontecesse agora. Encantada
A multidão está no escuro, em silêncio, transportada
De seu cotidiano. Agora
Trazem à mulher do pescador o filho, que
Os generais mataram. O que antes aconteceu
Neste local, se dissipou. O que aqui acontece,
Acontece agora, e somente uma vez. A atuar assim
Vocês estão habituados, eu lhes aconselho agora
A juntar um outro hábito a este. Em sua atuação exprimir também
Que esse instante é repetido
Com freqüência em seu palco, que ainda ontem
Foi encenado, e assim também amanhã
Bastando que haja espectadores, haverá representação.
Do mesmo modo, não devem fazer esquecer
Através do Agora, o Antes e o Depois
Nem tudo aquilo que agora mesmo acontece
Fora do teatro, que é da mesma espécie
Tampouco o que nada tem a ver
Devem deixar inteiramente esquecer. Devem apenas
Destacar o instante, e nisso não esconder
Aquilo do qual o destacam. Deem à atuação aquela
Característica de-uma-coisa-após-a-outra, aquela atitude
De trabalhar o que se propuseram. Assim
Mostram o fluir dos acontecimentos e o decorrer
De seu trabalho, e permitem ao espectador
Vivenciar esse Agora de muitas maneiras, como vindo do Antes e se
Outras coisas mais ao lado> Ele não está
Em seu teatro, mas também

No mundo.

Bertolt Brecht, poema: MAU TEMPO PARA A JUVENTUDE



Em vez de brincar no bosque com os companheiros
Meu filho se debruça sobe os livros
E lê de preferência
Sobre as negociatas dos financistas
E as carnificinas dos generais.
Quando lê que nossas leis
Proíbem aos pobres e aos ricos
Dormir sob as pontes
Ouço sua risada divertida.
Quando descobre que o autor de um livro subornado
Ilumina-se seu rosto jovem. Eu aprovo isso.
Mas gostaria de poder lhe oferecer
Uma juventude em que ele
Fosse brincar no bosque com os companheiros

Bertolt Brecht, poema: PARADA DO VELHO NOVO



Eu estava sobre uma colina e vi o Velho se aproximando, mas ele vinha
como se fosse o Novo.
Ele se arrastava em novas muletas, que ninguém antes havia visto, e exalava
novos odores de putrefação, que ninguém antes havia cheirado.
A pedra passou rolando como a mais nova invenção, e os gritos dos gorilas
batendo no peito deveriam ser as novas composições.
Em toda parte viam-se túmulos abertos vazios, enquanto o Novo movia-
-se em direção à capital.
E em torno estavam aqueles que instilavam horror e gritavam. Aí vem o
Novo, tudo é novo, saúdem o Novo, sejam novos como nós! E quem
escutava, ouvia apenas os seus gritos, mas quem olhava, via pessoas que
não gritavam.
Assim marchou o Velho, travestido de Novo, mas em cortejo triunfal
levava consigo o Novo e o exibia como Velho.
O Novo ia preso em ferros e coberto de trapos; estes permitiam ver o vigor
de seus membros.
E o cortejo movia-se na noite, mas o que viram como a luz da aurora era
a luz de fogos no céu. E o grito: Aí vem o Novo, tudo é novo, saúdem o
Novo, sejam novos como nós! Seria ainda audível, não tivesse o trovão

das armas sobrepujado tudo.

Bertolt Brecht, poema: LOCAL DE REFÚGIO




Há um remo no telhado. Um vento brando
Não empurrará a palha.
No pátio foram enfiados postes
Para o balanço das crianças.
O correio chega duas vezes ao dia
Onde cartas seriam bem-vindas.
Pelo estreito vêm os ferry-boats

A casa tem quatro portas, para por elas fugir.

Bertolt Brecht, poema: O GOVERNO COMO ARTISTA



1

Na construção de palácios e estádios
Gasta-se muito dinheiro. Nisso
O governo se parece com o jovem artista que
Não teme a fome, quando se trata
De tornar seu nome famoso. No entanto
A fome que o governo não teme
É a fome de outros, ou seja
Do povo.

2

Assim como o artista
O governo dispõe de poderes sobrenaturais
Sem que lhe digam algo
Sabe de tudo. O que sabe fazer
Não aprendeu. Nada aprendeu.
Sua formação tem falhas, entretanto
É magicamente capaz
De em tudo interferir, tudo determinar
Também o que não compreende.

3

Um artista pode, como se sabe, ser um tolo e no entanto
Ser um grande artista. Também nisso
O governo parece um artista. Dizem de Rembrandt
Que ele não pintaria de outra maneira, se tivesse nascido sem mãos
Assim também pode-se dizer do governo.






Bertolt Brecht, poema: A QUEIMA DE LIVROS



Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido
Um dos melhores, estudando a lista dos livros queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Queimem-me! Escreveu com pena veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros? E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:

Queimem-me!